Duas empresas pertencentes a um empresário de Ovar que, há décadas, é um dos principais fornecedores da Refer e também da CP, surgem referenciadas num relatório da Inspecção-Geral das Obras Públicas (IGOP), noticia o Diário de Aveiro.
«A empresa de Ovar, a O2 – Tratamento e Limpezas Ambientais, é acusada de ter furtado carris e travessas num troço desactivado da Linha do Tua, num processo judicial que se encontra na fase de instrução, no Tribunal de Macedo de Cavaleiros.
É que foi neste concelho que, em Abril de 2004, uma brigada alegadamente daquela empresa levantou, sem autorização da Refer, 3,7 quilómetros de carril e 5.300 travessas de madeira, avaliados em 480 mil euros.
A população achou estranha tanta movimentação nas linhas e alertou a GNR que viria a identificar o encarregado da obra, que, embora alegasse estar apenas a cumprir as ordens do patrão, viria a ser constituído arguido. A O2, em resposta ao Ministério Público, negou estar envolvida no caso e ficou no banco dos réus apenas o encarregado Valentim Santos.
Daqui se inferiu que este teria agido por modo próprio, com as máquinas e pessoal da empresa para a qual trabalhava, ao longo de vários dias, de modo a roubar carris e travessas da via-férrea. Mas o seu patrão, José Godinho, foi sua testemunha abonatória durante o julgamento.
O tribunal absolveu o encarregado Valentim Santos. Afinal, ele cumpria ordens da O2 e era para a Linha do Tua que esta, através de contacto por telemóvel, o mandara levantar material. Mas, como o arguido era ele e não a empresa, esta não foi condenada.
A Refer avançou então com um novo processo contra a O2 que, apesar de insistentemente contactada pelo Diário de Aveiro para os seus escritórios de Ovar, no Lugar de Olho Marinho, em Arada, nunca foi possível recolher uma reacção a estas notícias.
Os ferroviários já chamam a este processo de «Carril Dourado», por analogia com o «Apito Dourado» do futebol, por nele vislumbrarem indícios de corrupção entre o empreiteiro e estruturas técnicas da Refer.
Decisiva foi a intervenção da população de Salselas, ao alertar a GNR que impediu a continuação dos trabalhos. A Linha do Tua encerrou em 1992 entre Mirandela e Bragança, mas, para as populações da região, a presença dos carris, das estações, das pontes e viadutos é uma memória viva do tempo em que o comboio ali passava e que se recusam a apagar.
Entretanto, a Inspecção-Geral das Obras Públicas (IGOP) quer saber por que motivo este outros alegados caso de corrupção, não tiveram consequências no interior da Refer.
O relatório da IGOP enviado ao presidente da Refer, Luís Pardal, dá por confirmados pagamentos indevidos à empresa SEF – Sociedade de Empreitadas Ferroviárias, propriedade de José Godinho, que também detém a O2.
Refer proibe ajuste directo O caso remonta a Dezembro de 2000, quando, devido ao mau tempo, uma derrocada ao km 85 da Linha do Douro, em Ermidas, provocou o descarrilamento de um comboio.
Para desobstruir a via-férrea, a Refer contratou a SEF, sua fornecedora habitual, tendo esta apresentado uma factura de 330.691,53 euros que veio a revelar-se inflacionada. «As horas de máquinas e de mão-de-obra pagas pela Refer corresponderiam, nesse período [11/12/2000 a 5/01/2001], a mais de 24 horas de trabalho/dia, incluindo sábados, domingos e feriados», refere o relatório da IGOP.
O mesmo documento diz que a empresa pública pagou à SEF 473.633,74 euros referentes a serviços que terão sido efectuados em outros pontos da Linha do Douro, mas para os quais não houve autos de medição nem verificação da execução desses trabalhos por parte das chefias da ZOCP (Zona Operacional de Conservação do Porto), o organismo da Refer responsável pela manutenção da rede ferroviária nacional no Norte do país.
A IGOP estranha que a requisição para a execução de parte dos trabalhos tenha sido «redigida em papel timbrado da adjudicatária (SEF) e não, como seria correcto e normal, em papel timbrado do dono da obra, a Refer», refere o documento.
A gestora de infra-estruturas ferroviárias «aceitou também, sem qualquer justificação, o preço unitário da mão-de-obra de “oficiais” a 5.800$00/hora (26,84 euros) – que veio efectivamente a ser facturado -, quando o preço unitário constante da proposta da adjudicatária era de apenas 3.270$00 (16,31 euros)».
Esta divergência de valores, segundo a IGOP, significou um sobrecusto de 12.629,56 euros, «quantia, assim, indevidamente paga à SEF pelas 1.200 horas de trabalho», que, ainda por cima, não foram todas realizadas.
«Não obstante o elevado valor dos dinheiros públicos que, desta forma ligeira e muito pouco transparente, saíram dos cofres da Refer, esta questão manteve-se “adormecida” no seio da empresa pública durante três anos e meio», sublinha a IGOP aludindo aos mandatos de Cardoso dos Reis e de Braancamp Sobral.
Seria, então, o seu sucessor, Brancaamp Sobral, a instaurar um inquérito no seguimento de notícias então saídas na comunicação social. O processo, porém, haveria de transitar para a administração seguinte, presidida por Luís Pardal, que proibiu que fosse dada ordem para que não fossem adjudicados contratos por ajuste directo à empresa SEF.» – Diário de Aveiro (não acessível on line)