Terça-feira, 17 Setembro 2024
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Retrocesso irreparável para Aveiro e aveirenses

Com o culminar da concretização do projeto de “requalificação” do Rossio, com a consequente construção do parque subterrâneo como principal causa e objetivo, e após toda a polémica que este projeto gerou, é pertinente juntar grande parte dos factos acumulados ao longo deste penoso processo para que os cidadãos de Aveiro possam calibrar friamente sobre a pertinência desta obra e tirar as devidas ilações.

Porquê o aparecimento deste projeto megalómano que irá transformar a cidade irremediavelmente, quando a cidade já dispõe de um estacionamento de grandes dimensões muito perto e praticamente vazio o ano todo na Praça Marquês de Pombal, e outro ainda mais perto, logo a seguir à ponte de São João? A resposta oficial, e bastante singela, só surgiu após muita insistência de uma grande parte da população: “Opção política”. Opção esta paga principalmente pelos impostos dos Aveirenses.

“Por vezes temos a estranha sensação de que os políticos do nosso país são desprovidos de uma coisa que é comum à maioria dos humanos: a memória sentimental, o apego aos lugares e aos costumes…” O autor Javier Marías* acrescenta com uma clarividência cristalina, “os autarcas costumam ser desprezíveis em quase toda a parte e tendem a utilizar as cidades para fazer negócios e acossar a população”.

Um dos principais pilares dos protestos da Associação Movimento Juntos pelo Rossio foi, e sempre será, a segurança de pessoas e bens. Não só o próprio estudo geotécnico encomendado pela câmara municipal tem um parecer desfavorável à construção do parque de estacionamento do Rossio como o próprio Presidente da Câmara proibiu a mencionada Associação da divulgação dos resultados desse mesmo relatório. Porquê? Provavelmente por uma questão de “Opção política”.

Adicionalmente, existe um parecer independente elaborado pelo professor catedrático Fernando Tavares Rocha do departamento de Geociências da Universidade de Aveiro, que conclui que “esta intervenção implicará inevitavelmente uma alteração dos níveis freáticos da envolvente, um bombeamento permanente de água, pelo que sendo o edificado antigo do Bairro da Beira-mar apoiado em estacaria de madeira (…) implicará alterações ao nível dos solos das fundações com impacto nos edifícios.”

Todo o espaço do Jardim do Rossio está em zona inundável, pelo que as probabilidades de algum desastre acontecer num futuro próximo são altas. Em Outubro de 2023 vimos as águas da Ria de Aveiro galgar os muros e a entrar no circuito interno dos canais da cidade. Episódios como este têm sido recorrentes nos meses de Setembro, Outubro e Novembro, com as grandes luas.

O segundo facto que desmonta obscenamente a necessidade deste parque subterrâneo é meramente matemático. Não basta fazer as contas aos 219 lugares que serão criados no parque subterrâneo, já que tem necessariamente que subtrair-se aqueles que já existiam à superfície antes do projeto, aproximadamente 150 lugares, muitos deles exclusivos para moradores 24h por dia. Feitas as contas os lugares líquidos a serem criados serão aproximadamente 70.

O custo total do projeto pode ultrapassar os 15 milhões de euros. Contando com os (ainda não conhecidos e contabilizados) desvios e ainda os vários projetos complementares necessários (rotunda e estrada da Marinha da Troncalhada, 2ª ponte levadiça, estrada do canal das pirâmides, obras de arte, etc…), uma estimativa conservadora rondará os 18,5 a 20 milhões de euros + IVA sem ter em consideração o prazo de execução que ficará nos 30 meses, em vez dos 16 meses previstos inicialmente, quase duplicando o prazo de execução inicial. Isto representa um custo médio de perto de 275.000€ por cada lugar de estacionamento ganho. É obra!

Financeiramente este projeto nunca fez sentido para ninguém, nem para os contribuintes, nem para o erário público, nem também, paradoxalmente, para o concessionário. No entanto este último problema foi rapidamente ultrapassado pelo nosso edil quando decidiu, arbitrariamente, conceder também a concessão do parque municipal do mercado Manuel Firmino à mesma empresa que explorará o parque do Rossio. Fez-se dois em um e problema resolvido.

Falar em critérios estritamente éticos sempre esteve fora de questão para Ribau Esteves, como é o facto dos residentes ficarem sem largas dezenas de lugares públicos gratuitos ou a preços acessíveis, que agora passam de uma penada para a esfera privada e durante 40 anos.

Existem mais retrocessos irreparáveis para Aveiro e para os Aveirenses, especialmente no terreno ambiental, como a perda de palmeiras e plátanos centenários, que eram o ex-libris da cidade, e que serão substituídas por exemplares que demorarão décadas a atingirem o porte e função dos anteriores.

Convém voltar fazer a perguntar inicial, porquê? Quem ganha verdadeiramente com esta obra ruinosa? Sobretudo ganha quem ganhou as obras e concessão e especialmente esta última que com um mero desembolso de 2.5 milhões de euros fica com o usufruto de um património público durante 40 anos, pagando uma renda mensal pelos dois parques de estacionamento (cerca de 340 lugares de estacionamento) de uns míseros 2000€ + IVA por mês.

Para concluir cabe citar de novo Javier Marías*: “Muitas cidades estão sequestradas pelas suas municipalidades; produziu-se uma expropriação literal. A invasão e aproveitamento do espaço público não conhece limites”.

David Iguaz, arquólogo e ativista

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