Em carta aberta, o presidente da direcção do Beira-Mar conta a sua versão das últimas horas de António Sousa no comando técnico da equipa que disputou a Superliga de futebol. Uma despedida com “azedume”.
Carta aberta de Mano Nunes:
“Em reunião de Direcção do SC Beira-Mar antes do jogo contra o Belenenses ficou decidido que, independentemente da assinatura do protocolo entre o SC Beira-Mar e a Stellar Group, o treinador António Sousa terminava a sua ligação ao Clube por se entender que o modelo usado estava gasto e teriam de ser encontradas alternativas válidas para um SC Beira-Mar maior. Como sempre, cabia ao Presidente comunciar ao treinador essa decisão.
Tentei evitar ser eu a comunicar essa decisão. É verdade. Mas depois de ouvir amigos comuns – meus e do treinador – resolvi fazê-lo por amizade e para evitar que o treinador fosse apanhado de surpresa na reunião de Direcção seguinte como, em última análise, tería de ser feito.
Passei noites mal dormidas com pesadelos constantes, onde desfilaram subidas e descida de divisão, a conquista da Taça de Portugal, a presença na UEFA, manutenções dolorosas e séries consecutivas de jogos sem ganhar em todas as épocas. Desfilaram imagens de Sócios e adeptos a contestar o trabalho do técnico exigindo a sua saída mas, eu, sempre obstinado a segurar as pontas, a dizer que o Clube tinha de ser gerido de dentro para fora.
Cansado de tanto ser pressionado, assumi, só, que se o técnico saísse, eu também deixava o Clube. Acordo com os adeptos a baterem-me no carro e a decarregar em mim a sua fúria, os seus desgostos, devido à minha teimosia e crença. Chegava o dia D.
A meio da manhã abordei António Sousa com voz embargada. A custo. Comuniquei-lhe o inevitável. Cada vez mais a custo. É verdade. O sentimento de dor e tristeza envolveu-nos. Eu, pelo menos, senti pela primeira vez o sabor amargo do romper de uma ligação de quase oito anos. Fiz ver a António Sousa o quanto era benéfico para ele anunciar o fim da ligação após ganhar o jogo contra o Belenenses. Uma saída pela «porta grande» e com todas as portas abertas.
Pelo conhecimento que tenho da sua pessoa, fiquei logo ciente de que o sonho de ser ele a passar o testemunho ao novo «timoneiro», como era meu desejo, era impensável. Mas era bonito. Inédito. Era um acto dignificante para o Clube, para o técnico e, até, para o futebol português.
Mais noites sem dormir, mais pesadelos por notícias, entrevistas e opiniões que distorciam toda a verdade, criando um clima de suspeição sobre o Clube e a sua Direcção. De tanto ser repetida, a mentira começava a tornar-se verdade. Mesmo uma mentira mal contada.
A Direcção tentou deixar passar, por respeito e amizade ao treinador, mas tudo tem um fim. A verdade nua e crua é a que acabo de contar. E conto-a com a única intenção de proteger e salvarguardar os «filhos da casa». Somos gratos e sabemos defender os «nossos», mas não admitimos ingratidões em relação ao trabalho da Direcção em prol do SC Beira-Mar.
Se fossemos mais «uns» do futebol, António Sousa não tinha conseguido simular uma saída como herói, fazendo passar a imagem do «eu», esquecendo quem o projectou para o futebol como treinador – instituição, dirigentes, jogadores e restante staff.
O comentarista do jornal O Jogo, Fernando Rola, numa prosa de opinião, fez transbordar o meu «copo». Os Sócios e a opinião pública desportiva em geral tinham direito à verdade. Ela aqui está.
Apesar de António Sousa ter sido ídolo como jogador no SC Beira-Mar, deixando marca profunda que ninguém nega, também foi nosso treinador. O SC Beira-Mar deve-lhe muito. Mas ele deve muito mais à instituição que fez dele jogador, treinador e, que eu saiba, bem remunerado.
O SC Beira-Mar não tinha um contrato vitalício com António Sousa. A ligação chegou ao fim. Infelizmente com «azedumes» que não deviam ter existido. Antes devia ser sublinhada a amizade, o respeito, a saudade e a gratidão.
Repondo a verdade, dou o assunto por encerraqdo, desejando ao amigo António Sousa tanto sucesso como treinador como aquele que teve enquanto jogador. Que esteja sempre no alto e que inunde a sua carreira com triunfos. Que nunca tenha saudades deste humilde dirigente porque, assim, será sinal de que é protegido, respeitado e admirado por onde passar.”
Mano Nunes