Sábado, 24 Maio 2025
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Em campanha…

Desta vez acoteceu no sábado de manhã, no mercado de Santiago. Chegaram em força aí por volta das 9.00 h. Sacos, folhetos, papéis diversos e autocolantes, todos azuis e amarelos…
aconteceu estou a falar da documentação.

Eles …bem… eram em grupo… A união faz a força, ouvi dizer.. então deve ser por isso… cada um com as suas próprias armas: sacos, folhetos, papeis diversos e autocolantes, … o sorriso e um braço estendido…uma verdadeira centopeia distribuindo a propaganda.
Já vi isto várias vezes na Tevê. Na altura das campanhas eleitorais, o único momento em que os políticos se encontram perto do povo, perto de nós… o único momento que ousam, por assim dizer, aproximar-se dos plebeus…

Uma mulher aproximou-se de mim (estou no papel da vendedora de sal!), de mão esticada, segurando um papelinho…
– muuuuiiiitooo boooom diiiia, disse ela
– olá, respondi… olhando para a sua cara e para o papelinho
– quer?!?!??! É para o euro….

Efectivamente, ela apresentava-me uma lista dos câmbios de escudo para euro… bem preciso disto, é verdade.. só que … vendo os sacos, folhetos, papéis diversos e autocolantes, todos azuis e amarelos só consegui dizer : – não obrigada… já tenho em casa…
mentira estúpida… hesitei desabafar com ela que eu era francesa, supostamente apolítica e que, apesar disto, considerava que as ideias deles não eram compatíveis com as minhas ideias. Perguntei-me como eles podiam ousar distribuir lista de câmbios do euro, enquanto, julgava que eram “euro-cépticos”…

E lá se foram eles, continuando a distribuir sacos, folhetos, papéis diversos e demais autocolantes… Eu fiquei à olhar para as pessoas. Orgulhosas de receber essas prendinhas insignificantes, como se tratasse de ouro ou de uma coisa rica. Orgulhosa de receber estes pedacinhos de atenção em forma, quer de saco, quer de autocolantes…

Era estranho ver a alegria dessas pessoas. E lá, iam os beijinhos e os apertos de mão, num júbilo geral. Era estranho de ver isto, ao vivo, porque eu apenas tinha visto isto na tevê: nomeadamente, na fase portuguesa da minha vida, as campanhas no mercado são simbolizadas pelo Paulo Portas (o tal que deu as letras do seu nome ao partido). A reacção das pessoas era como na tevê portanto, igualzinha, mas não havia rostos de famosos (ao menos os que estavam no mercado, eu não os conhecia!), esmagados pelos beijos das vendedoras.

Era estranho, mas o mais esquisito, foi que às 10 horas, depois da primeira onda ir embora, chegou uma outra escolopendra segurando sacos, folhetos, papeis diversos e autocolantes, desta vez, arvorando uma flor de um lado e um martelo (conjunto interessante, não é?). mesma cena, mesma actividade. Apenas a maneira de se vestir era diferente.

E chega uma senhora loira ao pé de mim :
– Posso deixar? (um saco com o nome e logotipos do partido que ela representa)
– Não, respondi. Não insistiu, e foi.se.
E deixou-me a olhar para as mesmas cenas de alegria. E eu com os meus botões e sacos de sal a pensar na singularidade da situação.

Quando vemos, no pequeno ecrã, um candidato ou uma candidata à presidência de Câmara ou da Republica a apanhar banhos de multidão, pensamos que essas pessoas são, obviamente, a favor do candidato. Pelo menos era o que eu, ingenuamente, pensava. Pensava que correspondia à verdade, demostrava que tal ou tal tinham o lugar quase garantido, pensava que todos estes beijinhos forçados e estes apertos de mão eram tantos votos prometidos …

Mas não é nada disto. Tanto faz que o candidato seja da direita ou da esquerda, do centro ou da extrema. O importante é poder dizer que “sim, senhor, dei um beijo ao presidente”, “garanto-te que falei com ele e que ele me deu isto”… O importante é sentirem-se importante dois segundos (os políticos não dispõem de mais tempo!) perto do potencial futuro presidente.

Não é cinismo, é a sensação que tive no sábado a ver estas cenas da campanha. E fiquei com uma certeza, que poucos daqueles que aceitaram os sacos (dá para levar as compras), os folhetos, papéis diversos e autocolantes (dão para entreter os netos!) se vão lembrar de votar neste que, uma vez cada 4 anos, desce do seu altar até o pequeno povo…

Michèle Jean-Bart
26/11/2001

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