Desenvolver películas e revestimentos para embalagem alimentar a partir de resíduos de crustáceos e moluscos marinhos é o objectivo a que se propõe um grupo de investigação do Departamento de Química da UA.
QUITOPACK é o nome escolhido para designar este projecto que promete surpreender, transformando um estilete de lula numa película com interessantes características.
O Departamento de Química continua a inovar. Para além de estar a desenvolver uma embalagem ecológica e biodegradável a partir de uma matéria-prima fora do vulgar -o milho – surge agora uma nova forma de atingir o mesmo objectivo: uma embalagem alimentar desenvolvida com base em resíduos de crustáceos e moluscos marinhos que possibilita a extensão do tempo de prateleira e a melhoria da qualidade de produtos alimentares, funcionando como barreira à transferência de massa, suporte a determinados ingredientes e/ou melhorando a sua integridade mecânica.
O projecto é financiado pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia e dura já há dois anos.
As investigações estão bem encaminhadas, mas vão prolongar-se por mais um ano para além do prazo previsto. «Já existem alguns resultados preliminares e, por isso, estamos com esperança que até ao limite do prazo de execução do projecto, que se prolongou por mais um ano, se consigam atingir os objectivos previstos no início da investigação. Tivemos alguns problemas com a matéria-prima, que é uma matéria-prima natural, e por isso estamos dependentes do seu fornecimento e das variações naturais que ocorrem nessa matéria», explicou o Prof. José Lopes da Silva, responsável pelo projecto.
QUITOPACK, designação atribuída ao estudo, surgiu, por parte do Grupo de Bioquímica e Química Alimentar da Unidade de Química Orgânica e Produtos Agro-Alimentares da UA, em aproveitar algumas toneladas anuais de desperdício de biomassa, mais especificamente os biopolímeros, resultante do processamento, limpeza e corte dos cefalópodes, e normalmente enviada pelas empresas deste ramo para o aterro sanitário.
A equipa de investigação fez alguns ensaios preliminares tentando obter um polissacarídeo a partir desses resíduos (baseados fundamentalmente em estiletes de lulas), constituído por proteína, quitina e água, aproveitando-o e rentabilizando-o através do fabrico ou a formulação de filmes e revestimentos edíveis que possam ser utilizados em embalagem, por exemplo para frutos e vegetais.
«O nosso objectivo era ensaiar diferentes métodos de preparação, determinando-se, em cada caso, as propriedades físicas (barreira, mecânicas e térmicas) e moleculares (solubilidade, cristalinidade, interacções intermoleculares) resultantes. Estas propriedades seriam analisadas a diferentes temperaturas, valores de pH e de actividade da água», esclareceu o investigador, referindo ainda que «estes métodos de preparação e as propriedades dos filmes resultantes serão optimizados com vista a duas aplicações principais: revestimentos formados sobre os produtos alimentares, por exemplo, por imersão, e películas auto-sustentáveis, de forma a aplicá-los na área de armazenagem de frutos e vegetais».
Esta película será edível, ao mesmo tempo que o produto fica protegido de trocas com o exterior. A vantagem da utilização deste tipo de composto para desenvolver uma embalagem está na optimização do processo de extracção do polímero natural e na sua manipulação química, de forma a obter filmes com propriedades adequadas para aplicação a outro tipo de materiais.
Intervenção desde a lula até ao morango
«Reconhecemos hoje, decorridos que estão os dois anos inicialmente previstos para o desenvolvimento do projecto que o objectivo inicial era demasiado ambicioso», admitiu o docente, acrescentando ainda que «ainda há muito para fazer».
A investigação abrangia um leque vasto de intervenção, que passava pela recolha da matéria-prima, a optimização do processo de obtenção do polissacarídeo, a caracterização das suas propriedades, a formulação e optimização da preparação das películas e a sua validação, com o teste à sua capacidade de alterar e controlar o amadurecimento ou a contaminação por microorganismos. «Queríamos ter intervenção desde os resíduos das lulas até ao «morango» revestido pela película», frisou o investigador.
Neste momento, a equipa responsável pelo estudo já conseguiu obter o polissacarídeo, caracterizar e controlar algumas das suas propriedades químicas que serão importantes para as propriedades gerais dos filmes, o que permitirá direccioná-las, especificamente, para as suas novas funções como embalagem, como esclareceu o Professor.
«Este aspecto terá uma grande importância para as propriedades do filme. Estamos a tentar relacionar as propriedades químicas do polímero com as propriedades mecânicas e de permeabilidade que essas películas vão possuir, tentando perceber como manipular essas propriedades».
Depois desta tarefa, os investigadores preparam-se já para testar a formulação do próprio filme, aspecto relacionado com a concentração e a quantidade de polímero a utilizar, o solvente e a presença de outros ingredientes como por exemplo o plastificante.
O conhecimento da relação entre composição, micro-estrutura e as propriedades mecânicas e de barreira dos filmes, permitirá a manipulação destas formulações com o objectivo de responder a aplicações específicas. Como nos disse o Prof. Lopes da Silva «o objectivo passa também por avançar mais com a área relacionada com a imersão do fruto para o seu revestimento.
Quando se colhe o fruto da árvore ou vegetal ele está num processo de amadurecimento que pode ser controlado com as condições de armazenamento (a temperatura, a humidade…) mas também através de materiais de revestimento. Não tendo a pretensão de fazer um estudo aplicado exaustivo, vamos tentar aplicar algumas formulações optimizadas destas películas no controlo do amadurecimento de frutos ou vegetais como forma de retardá-lo, por exemplo».
Aplicações noutras áreas em vista
A partir dos resultados obtidos com este trabalho, julga-se ser possível, no futuro, estender a aplicação destes sistemas a outras áreas (p.ex., encapsulação de enzimas, libertação controlada de fármacos e tecnologia de biomateriais).
O objectivo do Grupo de Bioquímica e Química Alimentar da Unidade de Química Orgânica e Produtos Agro-Alimentares da UA não se restringe às películas.
Também relacionado com este polímero os investigadores estão também a fazer estudos na área dos biomateriais com o Departamento de Engenharia Cerâmica e do Vidro, dadas as suas potencialidades, já testadas, na preparação de materiais porosos. «Poderá ser utilizado na área da biomedicina porque o material poroso de que estamos a falar seria um material de suporte para crescimento celular e de regeneração de tecidos», referiu o docente.
Ficha Técnica
Investigador Responsável
José António Teixeira Lopes da Silva
Equipa de Investigação
Ivonne Delgadillo
Ana Margarida Barros Timmons
João Manuel Pereira Coutinho
Maria de Fátima Tavares Poças
Maria do Céu Santos Selbourne
Instituições Parceiras
Escola Superior de Biotecnologia, Universidade Católica Portuguesa