A derrocada do prédio vizinho da casa de 1616, na Rua Direita em Aveiro, esta demolida à excepção da fachada principal – «desaparecendo uma casa multisecular», para a construção de apartamentos e lojas, despertou a ADERAV que pede um debate público com a empresa construtora, quer conhecer resultados dos trabalhos arqueológicos e denuncia o «silêncio que tem imperado por parte de todos os intervenientes no processo de “reabilitação” em curso».
Desde o início do processo que a Associação para o Estudo e Defesa do Património Natural e Cultural da Região de Aveiro receia pela «perda e mutilação de um importante testemunho do património aveirense» e a recente derrocada lançou mais um alerta, não convencendo aquela organização perante o anúncio de uma «intervenção urbanística de reabilitação/reconversão».
Em Junho de 2015, a ADERAV avisou a Câmara Municipal que «este edifício, além da data inscrita, possui características arquitectónicas e construtivas muito interessantes, peculiares e reveladoras de uma época e modo de construir na região. Há muros antigos com «pedras de lastro de natureza vulcânica, utilizadas como lastro nas embarcações da época da expansão marítima, assim como muitos fragmentos de cerâmica datáveis também dessa época, de onde se destaca a cerâmica do açúcar».
A ADERAV quis saber «que tipo de condicionantes foram emanadas ao projecto, pela CMA e ou pela necessária consulta a entidades externas, nomeadamente no que respeita aos estudos arqueológicos e patrimoniais e se foi equacionada a integração no projecto de arquitectura algum elemento que se venha a identificar durante a intervenção e que tenha significativa valia histórica ou construtiva».
Não obteve resposta assim como a DRCC também não se pronunciou quando a ADERAV fez um um pedido de Consulta de Processos/Documentos. Lembra um «parecer técnico que a DRCC emanou sobre esta intervenção apontava para a obrigatoriedade da realização de um conjunto muito significativo de trabalhos de caracterização histórico-arqueológico-patrimonial, prévios ao início da intervenção de transformação física do edifício (da obra propriamente dita).
Após os trabalhos arqueológicos «e perante o que se observa actualmente no terreno, não é sem estranheza que nos afigura que nenhuma alteração tenha sido (aparentemente) introduzida no projecto, persistindo, neste momento, somente uma fachada para a rua dos Combatentes da Grande Guerra» apesar do resultado destes trabalhos e a «eventual identificação de vestígios de interesse patrimonial, poderiam implicar em alterações ao projeto, de forma a compatibilizar o proposto com as pré-existências.
A ADERAV espera que «pelo menos a preservação pelo registo científico dos eventuais bens destruídos tenha sido assegurada, já que é a medida mínima de preservação patrimonial consagrada na Lei de bases do Património».
Segundo a associação, «no processo de demolição das estruturas edificadas, conforme informação técnica, deveria ter sido realizado pelo método da desconstrução manual, de forma a permitir identificar e reconhecer métodos construtivos e materiais de construção utilizados e suas relações estruturais. Esta condicionante era vinculativa e o seu cumprimento obrigatório». Mas a demolição foi com «uma máquina giratória sem os cuidados que os trabalhos, nomeadamente, do foro da arqueologia de salvaguarda, necessitam». A ADERAV diz que «perdeu-se informação irrecuperável». Após uma denúncia a intervenção foi «suspensa até à alteração da metodologia a aplicar na demolição/desconstrução do remanescente».
Sem conhecimento de resultados dos últimos trabalhos de arqueologia, e apenas com a fachada do edifício que tem a data de 1616, o trabalho realizado foi «danoso e funesto para o património aveirense». É que «para além de ter desaparecido uma casa multisecular, estamos em risco de perder outra (pelo menos) secular».
Puro fachadismo
«Consideramos que esta intervenção não é uma operação de reabilitação do quarteirão onde se insere, apesar de se afirmar como tal no processo de licenciamento apresentado. O que a concretização da empreitada nos veio revelar foi uma intervenção de puro fachadismo, o que não salvaguarda de todo o espaço. Não é porque preservamos (parte) do invólucro que preservamos o conteúdo. Muito menos a memória. A memória colectiva é elemento de coesão territorial e social de excepção e é nossa convicção profunda de que teria sido possível compatibilizar novos usos e funções deste espaço urbano sem o descaracterizar desta forma tão profunda e cabal. Encontramo-nos no coração de um núcleo histórico urbano consolidado cuja coerência foi rompida com a prossecução de uma intervenção realizada nestes moldes. Não nos esqueçamos que este espaço está abrangido por uma zona de protecção ao monumento de interesse público que é a Misericórdia de Aveiro».