As peixeiras da Torreira estão à beira de um ataque de nervos, desde que a Docapesca, a entidade gestora do posto de venda de pescado local, passou a exigir-lhes que façam prova de que estão colectadas nas Finanças, sob pena de, ao contrário do que acontecia até há poucos dias, não poderem adquirir na lota o peixe que, depois, vendem de porta em porta, noticia o JN.
«”Se sempre ali compramos o peixe sem qualquer problema, porquê isto agora?”, protesta Irene Pereira, de 73 anos, peixeira desde os 18 anos. Embora saiba que, se não estiver colectada, não pode comprar peixe na lota, Irene não desarma “Se não puder comprar peixe aqui, na lota, sei muito bem onde o hei-de comprar… era o que mais faltava colectar-me agora, depois de velha. Colectem as mais novas”, desabafa.
As peixeiras da Torreira, cerca de duas dezenas, são, de um modo geral, mulheres de idade avançada, marcadas pela dureza da vida. Algumas beneficiam de pequenas pensões. Outras extraem o sustento da venda do peixe. Avessas a “papeladas”, jogam à defesa, tornam-se desconfiadas “Se me colectar, quem é que me diz que não me cortam a pensão de viúva?”, riposta Maria Brandão, de 69 anos.
“Eu já fui colectada, mas deitei-me abaixo”, diz, por sua vez, Aurora Pereira, de 67 anos e mais de 50 a calcorrear as ruas da praia com a caixa de peixe à cabeça. “Desisti porque não podia pagar 22 contos todos os meses”, explica.
Não são somente as peixeiras que protestam. Os donos das companhas da arte Xávega – existem cinco zonas da praia da Torreira – também não estão a gostar do “cerco” da Docapesca e da Brigada Fiscal.
“Não estou contra as peixeiras estarem colectadas. Eu também pago impostos. O problema é que como só há uma ou duas, aqui na Torreira, que estão colectadas e o peixe que pescamos tem de ser vendido, todo, através da lota, o peixe não se vende. E as poucas peixeiras que cá vêm ainda jogam com o preço. Como é que, com um investimento de 75 mil euros e 25 pescadores no mar, alguém pode vender uma caixa de carapaus a cinco euros?”, protesta Marco Silva. O “patrão” de uma das companhas aproveita para criticar o facto do posto de vendagem local não funcionar todos os dias, nem ter uma câmara frigorífica para conservar o peixe durante algumas horas. “Será que não pagamos as mesmas taxas que os que vão à lota de Aveiro?”
Na origem deste alegado “cerco” às peixeiras está a aplicação do decreto-lei 81/2005, de 20 de Abril, que regulamenta a primeira venda de pescado e impõe que essa primeira transacção seja feita em lota. De acordo com a Docapesca, quanto às peixeiras, a lei apenas exige que estejam colectadas nas Finanças, para poderem comprar o peixe em lota. A autorização da venda ambulante é da competência das câmaras.» (JN)